quarta-feira

machucado

- o que te falta?
- amor.
- eu tenho o que queres.
- mas não soube entregar...
- eu posso tentar de novo?
- volte daqui dois meses...
- porquê?
- é o tempo de cicatrização.

luz e som

Eu me viro de um lado para o outro na cama. Cama com lençóis amaçados, com travesseiros a mais. Minha escravaninha está empoeirada. Com minhas lentes de contato espalhadas e um copo meio vazio, ou seria um copo meio cheio? Apenas um copo com água, esquecido. Os livros estão ao chão, atirados, abertos em páginas sequer escolhidas. Quatro velas iluminam tudo isso. Preciso de um chá e de um amor, quentes de preferência. A prateleira guarda discos que falam o que penso. As máscaras atrás da porta são para esconder minha tristeza, diariamente.
Os pedaços rasgados das fotos demonstram sorrisos obtidos. Sorrisos tortos, espontâneos, alegres. É tudo um misto de vício e defeito. Um misto de algo que foi e não é. Quero continuar deitada, virando-me de um lado para o outro. A janela aberta traz um cheiro de terra molhada. A chuva sem vento faz com que as velas não se apaguem. O fogo permanece. As lembranças estão vivas. Meu coração bate desproporcionalmente. O bilhete com datas rabiscadas está na cabeceira. Apenas eu faço disso uma memória. Apenas eu faço do amor a esperança. Apenas eu. Sem você. Com a solidão presente. Sem presentes.

sexta-feira

você vai lembrar

Quando ela for na sacada, vai ver o céu vermelho e um pôr-do-sol que compete com a beleza do mar. Ela verá a areia voando com o vento, mas não verá ninguém caminhando sobre ela. Ficará horas admirando a paisagem encontrada naquele dia. Pensará em todos os momentos que fossem possíveis. Deixará o tempo passar, sem sequer se dar conta.
Ela estava sozinha, não havia uma pessoa para enxugar suas lágrimas, para ouvir seus lamentos, ou mesmo para lhe dar um abraço preciso. O cheiro da maresia se misturava com o cheiro das flores expostas na sacada. O barulho do mar se misturava ao canto dos pássaros. Um lugar.
Na sala, um sofá vazio, uma foto ao lado, um cigarro apagado. A colcha estava amaçada a tempos, no canto do sofá, sem ninguém tocar. A foto estava no local mais próximo da visão, para ser analisada diariamente. Um dia houve dois corpos.
O tempo arrumou tudo para a garota estar naquela situação: sozinha, chorando. Cada mês era um passo evolutivo. Como o bebê que começa a caminhar, cada passo é uma felicidade. Três passos. O tempo mostrou que ser feliz não depende apenas de uma pessoa. Que nem sempre a felicidade é o suficiente, nem sempre o amor é suficiente. A garota fitou o pôr-do-sol como quem se despede da vida.

quarta-feira

relato mudo

Eram dezenove horas. Ele entrava pela porta enquanto eu esperava com o coração vibrando pela espera de um abraço. Eu não queria, mas a partir daquele momento eu teria que aprender a viver sem ele; teria que entender que meus dias não seriam mais os dias dele; teria que aceitar a realidade, bruta, de não ser tocada. Os dias, a partir daquele instante, seriam tempestuosos. Meu rosto não ficaria vermelho devido a vergonha, mas devido as lágrimas que desceriam pelos olhos que não conseguiriam enxergá-lo. Eu ansiava que tudo fosse belo, singelo, incondicional. Que a felicidade superasse, todos os dias, a tristeza. Foi assim, não é mais. Agora eu deveria achar um caminho, fazer com que nada me lembrasse a presença dele, e isso era o passo mais difícil. O carinho e as conversas ficarão presas no ar, nas paredes da sala. O perfume e o modo de abraçar ficarão eternizados cada vez que eu olhar para o sofá. O sorriso será lembrado sempre que eu olhar pela janela e sentir o vento batendo no meu rosto. Aquele olhar pensativo passará pela minha cabeça sempre que eu olhar para os livros. Eu vou sorrir sempre que eu olhar para a minha mão e lembrar do modo como ele a segurava. Eu fecharei os olhos sempre que eu quiser sentir o seu rosto, por que eu gravei cada centímetro com o toque. Vou me surpreender, novamente, quando eu ver a flor que hoje seca entre páginas. Eu vou olhar para a porta e esperar anciosamente pelo dia que ele irá voltar. Vou esperar sentada ao lado, entre lágrimas de quem um dia amou de verdade. Ele saiu pela porta que entrou, para não mais voltar. Ele me deixou sozinha. Eu me apaixonei pelo cara errado. Por que a gente procura o cara errado. Segundo Luís Fernando Veríssimo: é a pessoa errada que te faz perder a cabeça, fazer loucuras, perder a hora; a pessoa errada vai te fazer chorar, mas vai secar suas lágrimas. Ele secou as minhas, com o toque mais sincero. Ainda assim, vou vê-lo quando eu caminhar no parque, abraçar o travesseiro, me deitar na cama, sentar no sofá. Vou ver mesmo que ele não esteja ali, porque dentro de mim a presença dele ainda é forte. O nome dele ainda ecoa na minha cabeça, nos meus versos, nas minhas paredes. O perfume dele permanece na minha roupa, no ar que circula. Ele saiu pela porta, mas deixou um pedaço aqui. Eu vou respirar as lembranças, vou chorar a ausência, vou tocar o vazio. Vou amar, por que o amor não vai embora, ele permanece aqui para falar dele, para falar de nós.

segunda-feira

viver feliz para sempre?

Quando ela era criança, achava que contos de fada aconteceriam quando crescesse. Afinal, que garota não almeja um amor eterno e reciproco? Mas, quando ela cresce vê que os livros não são reais, são apenas histórias fictícias de alguém que vivia de sonho. Só que por um lado, viveu de sonho e não os realizou. Viu que fora dos livros a única mágica que existe é aquela que acaba com tudo.
O muro cai.
Os livros mofam.
O coração chora lágrimas.
O sol queima as flores.
A garota cresce e se apaixona, acha que o mar é de rosas e o vento é perfume. Mas ela se afoga. Ela se sufoca. Garotas olham o mundo diferente, almejam encontrar um grande amor; mas garotos só querem diversão, e acham que garotas são brinquedos.
Você passa anos lendo histórias com "felizes para sempre", mas demora para ver que tudo tem um fim, demora demais e isso lhe traz tristezas.
Ela conhece muitas pessoas, se apaixona diversas vezes, até que encontra um amor. O amor faz as mãos dela tremerem, as pernas ficarem bambas, os olhos brilharem, a boca ter o melhor sorriso misturado com vergonha e um pouco de desejo. Mas sem querer este amor vai se afastando, não o dela, mas o dele. Então ela começa a superar isso com as lembranças. As lembranças, para ela, deveriam saciar o fato da distância começar a se formar, mas ao contrário disso, ela traz uma tristeza na bandeja.
A garota respira memórias. Vive do dia em que o conheceu, da primeira vez que sairam, do primeiro beijo, das vezes que foi surpreendida, das brigas que fizeram tudo ir se apagando. Porém, ele não deve sequer saber dessas informações; sequer deve saber os motivos das lágrimas dela.
As cartas não são enviadas.
A tristeza é escondida.
Ela pára de ligar.
Ela espera que ele procure.
Não ocorre.
A garota começa a ter certeza que contos de fada ficam na infância. Mesmo que o amor exista, nem sempre é reciproco, nem sempre é como queremos. A garota chora, lamenta. Tenta aceitar que tudo acaba.

quarta-feira

ela tem

o sorriso de qualquer manhã de sol, o brilho no olhar de qualquer jardim florido.